Cláusulas exonerativas e limitativas de indenizar sob a ótica do direito brasileiro

No âmbito da autonomia privada, é possível estipular os mais diversos tipos de negócio jurídico que mais bem se amoldem aos interesses envolvidos.

Em contratos complexos, como aqueles de construção e de infraestrutura, é prática comum a inserção de cláusulas que exonerem ou limitem o dever de indenizar, pela parte faltosa, em caso de inadimplemento contratual.

A verdade é que, se há descumprimento contratual, provavelmente com ele advirá o dano e, pois, eclodirá o suposto dever de indenizar pelo inadimplente. A escassa jurisprudência e a ausência de legislação específica sobre o assunto torna o tema mais complexo e acaba por gerar instabilidade nas relações contratuais e na própria negociação que ancora o negócio. Até mesmo a doutrina, nacional e estrangeira, é limitada ao tratar sobre o tema.

O direito se protrai no tempo e com ele, consequentemente, surgem as mudanças e inovações fruto da criatividade do mundo capitalista. Em um mundo globalizado, os players sempre buscam formas de garantir viabilidade aos negócios e razoável segurança aos participantes.

E é aí que as cláusulas de irresponsabilidade são invocadas. Daí exsurge a questão: essas cláusulas são válidas e reconhecidas pelo ordenamento jurídico pátrio? Quando é que a normatização brasileira pode interferir na autonomia privada?

Esses pontos serão discutidos a seguir sob o enfoque de contratos de construção e infraestrutura firmados na seara do direito privado e cujas partes incrustadas se posicionam em pé de simetria.

Cláusulas de não indenizar ou de irresponsabilidade

Definição

Em primeira ordem, passemos a definir “cláusulas de não indenizar” ou “cláusulas de irresponsabilidade”, como são chamadas no ambiente jurídico, ressalvando outras terminologias utilizadas.

Elas possuem a finalidade precípua de exonerar uma das partes do seu próprio inadimplemento ou descumprimento defeituoso do negócio ou então limitar o montante de indenização decorrente do dano causado pela falta contratual. Nas lições de Sílvio Rodrigues[1]:

“[…] cláusula limitativa ou de exoneração da obrigação de indenizar é o pacto acessório que, antecipadamente, limita de alguma maneira a responsabilidade ou suas consequências ou afasta por completo a obrigação indenizatória atribuída ao devedor em decorrência do inadimplemento de suas obrigações.”

Como vemos, esse tipo de cláusula busca alterar o jogo dos riscos, transferindo ao credor o risco assumido com a contratação. Outro ponto importante de se abordar é que para a sua validade, essas cláusulas devem ser consentidas por ambas as partes, sendo nulas aquelas estipuladas unilateralmente – ponto que será tratado nos itens subsequentes.

As cláusulas de não indenizar sob a ótica da legislação brasileira

A normativa brasileira não examina diretamente este assunto, mas traça princípios basilares do direito dos contratos que servem de lastro para a análise destas cláusulas, de modo a responder sobre a validade do clausulado e o seu alcance.

Em primeiro lugar, até para situá-las perante o direito brasileiro, cabe-nos diferenciar as cláusulas limitativas de responsabilidade daquelas excludentes de responsabilidade, ambas acessórias ao contrato e modificativas do regime geral de responsabilidade.

Por cláusulas limitativas, têm-se aquelas que impõem limite de responsabilidade para eventuais descumprimentos contratuais. Pelas convenções de exoneração de responsabilidade, as partes excluem por completo o dever de indenizar[2] pelo devedor, implicando assim renúncia ao ressarcimento por parte do credor.

Certo é que normas cogentes ou de ordem pública[3] podem subtrair a validade deste clausulado, não bastando a autonomia da vontade das partes para o seu reconhecimento junto ao direito brasileiro. Para tanto, a disciplina do clausulado deve ser razoável e equilibrado e se pautar, sobretudo, na boa-fé e lealdade contratuais.

Cláusulas limitativas de indenizar

Esse dispositivo não representa uma renúncia propriamente dita ao direito de ser indenizado. Ele apenas limita o quantum indenizatório e, pois, é visto com melhores olhares pelo direito brasileiro do que as cláusulas excludentes de responsabilidade.

Com esteio na autonomia da vontade, é plenamente possível estabelecer um limite à indenização. Para justificar o dito entendimento sob o prisma do direito pátrio, podemos suscitar o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 51, I, que assim dispõe:

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I – […] Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; […]”

Nesse compasso, em complemento à racionalidade deduzida acima, entendemos que se é possível acordar uma quantia reparatória em sede de cláusula penal[4] compensatória por descumprimento da convenção, também é permitido avençar previamente o limite de indenização para eventual dano.

Ponto que não pode ser esquecido e provoca dúvidas é quanto à admissibilidade de cláusula que contemple valor irrisório. No nosso entender, esse valor previamente estipulado pelas partes, caso seja diminuto, poderá ser majorado em sede arbitral ou judicial, em especial se verificada culpa grave ou dolo na conduta do agente causador do dano, de molde a prezar pela razoabilidade e justiça contratual.

 Sendo razoável o montante estabelecido na cláusula limitativa e o valor do dano efetivo venha a superar tal importância encartada na convenção, acreditamos que o credor terá assumido risco equivalente ao firmar cláusula que limite o montante a ser indenizado em face do dano, sempre observada a juridicidade da conduta do devedor.

Isso porque, aliada à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, sob o panorama do Código Civil de 2002[5], se é possível estimar o quantum limite do dano a ser ressarcido ao credor ao encartar cláusula penal compensatória no clausulado, também é permitido fichar limite para o ressarcimento de eventual dano verificado durante a relação contratual, mediante a inserção de cláusula limitativa de responsabilidade.

Cláusulas exonerativas de indenizar

Esse modelo de cláusula visa a excluir totalmente as consequências de um descumprimento contratual, ou apenas pode afastar parcialmente as repercussões do incumprimento contratual responsável por tal.

Como já discorrido, o sistema legal brasileiro ainda não regulou tal clausulado, inexistindo assim receita dogmática sobre o seu alcance nas relações contratuais entre particulares, o que leva a grande incerteza a sua aplicação aos operadores do direito, sobretudo quando as disputas tocam a esfera da justiça estatal.

Na seara de embates contratuais, os argumentos mais comuns encontrados para tentar derruir a eficácia desse modelo de clausulado são: (i) violação ao dever de reparação integral do dano (arts. 402 e 944 do Código Civil); e (ii) desfiguração da própria obrigação contratual, tornando o dever contratual uma mera faculdade e caracterizando o compromisso contratual como obrigação natural (art. 122 do Código Civil).

Como contra argumento, podemos levantar que a cláusula de não indenizar não exime o devedor de sua responsabilidade, mas apenas imuniza os efeitos danosos pelo descumprimento da obrigação – canalizando à inexistência de ofensa à ordem pública -, de molde a afastar a caracterização de obrigação natural.

Dito isso, para manter garantido o recebimento da obrigação, a parte credora pode se valer de prerrogativas jurídicas para buscar a satisfação da obrigação inadimplida, como a execução de determinada cláusula do contrato ou a invocação de outros institutos jurídicos.

Para justificar a validade da cláusula, também poder-se-ia aduzir que, por se tratar de contratos que regule interesses estritamente patrimoniais entre privados, não há que se falar em invalidade desse clausulado, até mesmo em prestígio aos princípios da autonomia da vontade, consentimento e pacta sunt servanda. Tais princípios fortalecem a cláusula e positivam a usualidade do instituto nas relações entre particulares, além de conferir maior segurança jurídica aos usuários ao distanciar o argumento de lesão à ordem pública.

Em que pese a validade da cláusula de não indenizar, ela possui limites de aplicação, em particular quanto à verificação de culpa grave ou dolo diante da conduta do devedor. A definição de culpa grave[6] é algo de contorno subjetivo e que pode gerar instabilidade e profundas discussões nas desavenças contratuais.

Para se evitar a invalidade de plano da cláusula de irresponsabilidade, a doutrina reprocha condutas dolosas ou inquinadas de culpa grave. Ao revés, depararíamos com o óbice legal insculpido no art. 122 do Código Civil, vez que o credor ficaria ao alvedrio do devedor no que toca aos compromissos contratuais, equiparando as obrigações contratuais a letra morta.

Não se olvide que, de acordo com o direito pátrio, a preservação da boa-fé e a proteção da confiança legítima se constituem, no âmbito dos contratos, como direitos indisponíveis e, pois, não podem ser transacionados[7] pelo exercício da autonomia da vontade. Em se verificando violação a tais princípios salutares encampados no direito dos negócios, a obrigação de indenizar deve ser mantida e a cláusula de irresponsabilidade desprezada[8].

Na sequência, falaremos sobre a conceituação do termo “dano indireto”, que traz grandes discussões na sua aplicação prática e se encontra encartado em muitos dos clausulados de irresponsabilidade.

Outras considerações – Danos Indiretos

A partir da utilização da cláusula de irresponsabilidade, podem emergir outras discussões bastante áridas e que se encontram numa zona ainda cinzenta do conhecimento, tais como sobre a abrangência de danos indiretos, que muitas vezes são abordados no contexto de cláusulas de não indenizar.

Como exemplo de cláusula que exclui indenização de danos indiretos, temos:

“Nenhuma das PARTES responderá à outra por lucros cessantes, perda da utilidade de qualquer das OBRAS, diminuição da produção, perda de contratos, perda de oportunidades ou por indenizações decorrentes de danos indiretos decorrentes do contrato, salvo se o contrário for estabelecido no CONTRATO.”

A rigor, em disputas, a discussão sobre a tradução de “danos indiretos” vem à tona e gera elevado grau de incerteza nas partes envolvidas a respeito do que será ou não considerado como “dano indireto”.

Genericamente falando, dano indireto é aquele que advém do dano direto. Ou seja, ele é consequência do prejuízo direto efetivado em razão de ato omissivo ou comissivo de alguma das partes contratantes em contrariedade ao contrato.

Por mais que se pesquise e se aprofunde no tema, os manuais não são tão claros na conceituação de dano indireto, não há delineamento de uma fórmula objetiva hábil a dirimir todos os casos concretos de forma clara e subsistente. Por isso, dado o grau de subjetivismo na conceituação, a matéria fica tão complexa e abre espaço para posições conflitantes e imprevisíveis, o que acaba por ensejar certa instabilidade negocial.

No nosso entender, dano indireto seria uma consequência possível, porém não necessária, e que se conecta com o dano direto; mas não é passível de previsão antecipada no caso de um descumprimento contratual.

Logo, todo aquele dano imprevisível, dimanado de descumprimento contratual, deve ser considerado como indireto.

Conclusão

A partir do estudo acima, entendemos que para coibir discussões sobre a validade de clausulados de irresponsabilidade, a sua redação toma contornos importantes, de forma que a claridade dos termos da cláusula de não indenizar não deve deixar dúvidas sobre a sua abrangência.

 A escrita do clausulado deve buscar equilíbrio e inequívoca ciência das partes contratantes a respeito do conteúdo da cláusula, a fim de (i) atender os preceitos da função social do contrato, da justiça contratual e da boa-fé; e (ii) não agredir a ordem pública ou as condições edificadas no art. 122 e no parágrafo único do art. 2.035 do Código Civil de 2002.

Ponto fulcral sobre a validade de cláusulas de irresponsabilidade toca a verificação de culpa grave ou dolo no caso in concretu, obstaculizando abusos por parte do beneficiário do clausulado e evitando que o compromisso contratual se torne um direito simplesmente potestativo para o utente e afronte a legislação pátria.

Para arrematar, após toda essa narrativa, valer dizer que o diploma jurídico pátrio possui certa restrição quanto às cláusulas exonerativas de responsabilidades e maior afeição pelas cláusulas limitativas de responsabilidade, lembrando-se aqui que abordamos relações jurídicas privadas, voltadas para contratos de construção e infraestrutura, donde pressupõe-se que as partes integrantes se encontram em grau de simetria tanto no aspecto de conhecimento técnico como jurídico.

Referências:

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva: 1990.

FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

GOMES, Orlando. Responsabilidade Civil. Rio De Janeiro: Forense, texto revisado, atualizado e ampliado por Edvaldo Brito, Rio de Janeiro: Forense: 2011.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Responsabilidade Civil. 20. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 4.

https://www.migalhas.com.br/depeso/34428/a-clausula-de-nao-indenizar-seguranca-x-incremento dos-negocios-juridicos.


[1] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Responsabilidade Civil. 20. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 4, p. 173.

[2] FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 112/113.

[3] A propósito, nesse ponto, podemos citar o parágrafo único do art. 2.035 do Código Civil ao prelecionar que “[n]enhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.”

[4] “A cláusula penal tem sido tomada como instrumento de afirmação da validade das cláusulas de não indenizar por se tratar de figura jurídica que, tal como as cláusulas de limitação de responsabilidade, procura antecipar os contornos da indenização a ser paga como compensação pelos danos decorrentes do inadimplemento, total ou parcial, ou da mora.” (FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 128)

[5] “Art. 416. […]

Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. […]”

[6] Por culpa grave, pode-se conceituar como aquela conduta imprudente, negligente ou imperita – i.e., conduta que se enquadre como erro crasso.

Decreto 9.830/19:

“Art. 12. […]

§ 1º. Considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia. […]”

[7] Código Civil:

“Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação.”

[8]https://www.migalhas.com.br/depeso/34428/a-clausula-de-nao-indenizar-seguranca-x-incremento dos-negocios-juridicos. Acessado em 01/07/21.

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